Autor: Mayckel da Silva Barreto*
Publicado em 26 de abril de 2020.
A presença da família durante o atendimento emergencial tem despertado a atenção de pesquisadores em diversas partes do mundo. Entretanto, sua ocorrência segue limitada, sobretudo, porque médicos e enfermeiros percebem que é necessário agregar maiores evidências para direcionar a prática assistencial. Nesse sentido, durante o ano de 2017 foi conduzido um estudo com o objetivo de elaborar um modelo teórico acerca das vivências de pacientes, familiares e profissionais de saúde sobre a presença da família durante o atendimento emergencial.
O estudo qualitativo adotou o Interacionismo Simbólico como referencial teórico e a Teoria Fundamentada nos Dados como referencial metodológico. Participaram 13 familiares, 13 pacientes e 16 profissionais selecionados a partir de amostragem teórica. Para a coleta das informações – que ocorreu em duas unidades públicas de emergência, localizadas no sul do Brasil – foi empregada a observação não participante e a entrevista face a face.
Os resultados permitiram identificar o fenômeno central: “Muitos pesos e muitas medidas: vivenciando na Sala de Emergência uma presença familiar condicionada, esporádica e instável”.
Pacientes e familiares, de forma semelhante, desejavam que as famílias acompanhassem o atendimento. Por sua vez, diante do cenário no qual os cuidados eram dispensados, os profissionais revelaram a necessidade de decidir “caso a caso” com cautela. A ocorrência dos polos presença ou ausência da família, aparentemente, se relacionava com a análise de quatro grandes aspectos: a) autoanálise profissional acerca das habilidades e preparo para atender aos pacientes sob o acompanhamento das famílias; b) análise das características dos familiares como, por exemplo, perfil, necessidades emocionais e preparo para acompanhar o atendimento; c) análise das características dos pacientes, como idade e nível de complexidade do quadro clínico e dos procedimentos realizados e; d) análise do ambiente e do contexto da Sala de Emergência (SE).
Identificou-se que o mais habitual era não permitir que as famílias acompanhassem o atendimento emergencial. Além disso, foi possível apreender, entre os profissionais, a existência de uma cultura social de exclusão familiar, a qual, mesmo não estando formalizada nas políticas institucionais, era amplamente aceita e compartilhada. Entretanto, percebeu-se também que a situação de presença ou ausência da família não era cristalizada. Em realidade, pelo fato de a avaliação profissional ser contínua ao longo do processo de prestação da assistência, a decisão balanceava entre permitir ou não a presença familiar.
Por fim, os familiares e pacientes que vivenciaram o atendimento com a presença da família atribuíram significados positivos à experiência, pois percebiam mais calma e segurança para ambos. Já os familiares e pacientes que não puderam vivenciar a experiência, revelaram não compreender os motivos que impediam a presença familiar. Mas, apesar disso, reconheciam que a decisão não poderia ser contrariada. A percepção de que aceitavam a decisão dos profissionais com total resignação, intensificava o sofrimento da díade paciente-família.
Sugere-se que para se manter os laços afetivos entre familiares e pacientes, durante o atendimento emergencial e possivelmente proporcionar menor sofrimento a ambos, é preciso considerar a possibilidade de permitir a presença da família na SE. Para isso, é importante o desenvolvimento de estratégias de intervenção que melhorem o processo formativo e de sensibilização dos profissionais; elaboração de políticas institucionais que atendam às necessidades locais e; melhorias na infraestrutura das unidades para receber as famílias.
*Enfermeiro. Doutor em Enfermagem pela Universidade Estadual de Maringá, com período sanduiche na Universidade de Navarra (Espanha). Coordenador do curso de enfermagem da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Mandaguari (FAFIMAN). Docente do departamento de medicina do Centro Superior de Ensino de Maringá (UNICESUMAR). Coordenador no Brasil da Rede Internacional de Enfermagem em Cuidados Críticos (REINECC). Editor-chefe da Revista Paranaense de Enfermagem (REPENF).